agosto 08, 2009

Esconde-esconde

"Contam que uma vez se reuniram todos os sentimentos e qualidades dos homens em um lugar na terra.
Quando o aborrecimento havia reclamado pela terceira vez, a loucura como sempre tão louca lhe propôs:
-Vamos brincar de "esconde-esconde"?
A intriga levantou a sobrancelha intrigada e a curiosidade sem poder conter-se perguntou:
-Esconde-esconde, o que é isso?
-É um jogo, em que eu fecho os olhos e começo a contar de 1 a 1.000.000, explicou a loucura. Enquanto vocês se escondem e quando eu tiver terminado de contar, o primeiro de vocês que eu encontrar ocupará o meu lugar para o jogo continuar.
O entusiasmo dançou seguido pela euforia, a alegria deu tantos saltos que acabou por convencer a dúvida e até mesmo a apática, que nunca se interessa por nada.
Mas, nem todos quiseram brincar, a verdade preferiu não esconder-se. Pra quê? Se no final todos se encontram.
A soberba opinou que era um jogo muito tonto. (No fundo o que a incomodava era a ideia não ter sido dela.)
E a covardia preferiu não arriscar-se.
-1, 2, 3, 4, ... - começou a contar a loucura.
A primeira a se esconder foi a pressa, que como sempre caiu atrás da primeira pedra no caminho.
A subiu ao céu, e a inveja se escondeu atrás do triunfo que com seu próprio esforço tinha conseguido subir na copa de uma árvore.
A generosidade quase não consegue se esconder, pois cada local que encontrava lhe parecia perfeito, maravilhoso para algum de seus amigos. Se era cristalino, ideal para a beleza, se era a copa de uma árvore, perfeito para a timidez, se era o voo de uma borboleta, o melhor para a volúpia. Se era uma rajada de vento, magnífico para a liberdade. E assim acabou se escondendo em um raio de sol.
O egoísmo, ao contrário, encontrou um lugar muito bom desde o início, ventilado e cômodo, mas apenas para ele.
A mentira escondeu-se no fundo do oceano (na realidade se escondeu atrás do arco-íris). E a paixão e o desejo no centro dos vulcões.
O esquecimento não recorda onde se escondeu, mas isso não é o mais importante.
Quando a loucura estava lá pelo 999.999, o amor não havia encontrado um local para esconder-se, pois todos já estavam ocupados. Até que encontrou uma rosa e cuidadosamente decidiu esconder-se entre suas flores.
-1.000.000, contou a loucura e começou a busca.
A primeira a ser encontrada foi a pressa, apenas a três passos de uma pedra.
Depois escutou-se a discutindo com Deus, no céu, sobre zoologia.
Sentiu vibrar a paixão e o desejo nos vulcões. Em um descuido encontrou a inveja e, claro, pode deduzir onde estava o triunfo.
O egoísmo, não teve nem que procurá-lo, ele sozinho saiu desesperado do seu esconderijo, que na verdade era um ninho de vespas.
De tanto caminhar, sentiu sede e ao aproximar-se do lago descobriu a beleza. A dúvida foi mais fácil ainda, pois a encontrou sentada em cima da cerca, sem decidir de que lado esconder-se.
E assim foi encontrando a todos. O talento entre as ervas finas, a angústia em uma cova escura, a mentira atrás do arco-íris (mentira, estava no fundo do oceano) e até o esquecimento a quem já havia esquecido que estava brincando de "esconde-esconde".
Apenas o amor não aparecia em lugar nenhum.
A loucura procurou atrás de cada árvore, embaixo de cada pedra do planeta. Em cima das montanhas.
Quando estava a ponto de dar-se por vencida, encontrou um roseiral, pegou uma forquilha e começou a mover os ramos, quando no mesmo instante escutou-se um doloroso grito. Os espinhos tinham ferido o amor, nos olhos.
A loucura não sabia o que fazer para desculpar-se com o amor. Chorou, rezou, implorou, pediu perdão e até prometeu ser seu guia.
Desde então, desde que se brincou pela primeira vez de esconde-esconde, na Terra...

O amor é cego e a loucura sempre acompanha."

(Texto de uma das minhas aulas de filosofia dos velhos tempos...)

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